Grande nome da pintura contemporânea.Pintor e desenhador figurativo abstractizante.Inicia o seu trajecto plástico no desenho e a sua temática foram gente anónima do meio urbano, Alfama, as peixeiras e trabalhadores a preto e branco.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Luis Dourdil e a sua amiga e Pintora Gracinda Candeias-Pintores Portugueses do Século XX
NATAL
Nos idos anos 80, por várias razões não passei o Natal com a família durante 4 anos.
Ia sempre para fora e numa ida a Paris baralhei-me nas datas e perdi o avião!!!
Estava sem lençõis porque tinha posto tudo na lavandaria, lembrei-me logo do Dourdil e fui pedir auxilio e diz-me ele:
- Então vai passar o Natal sózinha?
- Sim!Disse-lhe
- Era o que faltava !Venha cá para casa!
Daí em diante, durante anos, passava sempre a véspera de Natal; mesmo com os meus pais eu dizia sempre:
Primeiro vou ao Dourdil!
Nunca mais me esqueço as noites calorosas com a Olinda o Luís Fernando e o Adriano de Gusmão que também lá passava.
Até hoje lembro-me também de comer o melhor perú da minha vida, nunca mais comi um igual!
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Luis Dourdil e a sua amiga e Pintora Gracinda Candeias-Pintores Portugueses do Século XX
«A DISSONANTE»...
Uma das vezes que fui ao atelier do Dourdil, estava ele numa dúvida terrível! faltava ali uma cor, mas que cor? - uma mais viva talvez... disse eu, oh Gracinda! acabou de me resolver o problema! A dissonante, pois está claro! O que falta é uma cor dissonante.... a partir desse dia quando ia ao meu atelier, brincava comigo e dizia: então já pintou a dissonante? riamos imenso quando contávamos na Brasileira do Chiado, mas não revelávamos o segredo! até numa conversa faltava a «dissonante»...ah! ah!!
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Luis Dourdil e a sua amiga e Pintora Gracinda Candeias-Pintores Portugueses do Século XX
Os Amigos
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.
Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.
Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.
Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.
Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia" Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.
Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.
Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"
Luis Dourdil-Pintores Portugueses do Século XX
"Fiz um conto para me embalar
Fiz com as fadas uma aliança. A deste conto nunca contar. Mas como ainda sou criança Quero a mim própria embalar. Estavam na praia três donzelas Como três laranjas num pomar. Nenhuma sabia para qual delas Cantava o príncipe do mar. Rosas fatais, as três donzelas A mão de espuma as desfolhou. Nenhum soube para qual delas O príncipe do mar cantou". Natália Correia
Luis Dourdil-Pintores Portugueses do Século XX
Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!
Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!
Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...
Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!
Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
ESGRAFITO DE LUIS DOURDIL
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
XX - O TEJO É MAIS BELO
(do "Guardador de Rebanhos" - Alberto Caeiro)
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Do livro- Resposta a Matilde- de Fernando Namora "DOIS OVOS AO FIM DA TARDE" conto verídico sobre Luis Dourdil
Quando o homem saiu de casa,pensou apenas em que lhe saberia bem ir a pé até ao fundo da Alameda.Não eram muitas as vezes em que podia voltar as costas ao autocarro e dar-se a esse apetecido exercício.Sem o aguilhão do relógio.Sem moer-se com atrasos.Tinha um emprego que o enjaulava das tantas da manhã (que cedo acordavam as manhãs!) às tantas da tarde (que ronceiras eram as tardes!),com as nádegas pregadas a um banco alto, o cavalete na frente,a mão contrafeita.a sujar papéis de olhos fechados, a cidade espalmada nos vidros da janela como um rosto triste (mas a tristura era dele,que a via tão perto e tão distante), e quando, enfim, se abriam as portas da prisão pouco mais tempo lhe restava do que,num rufo,tomava a bica no café mais próximo.Depois vinha o jornal lido no autocarro,o jantar e o serão que não chegava a nada para o muito que lhe daria gosto fazer.A mulher nem se atrevia a propor um passeio.Sabia respeitar aquela necessidade de iludir o sonho e tricotava enquanto ele,numa nuvem de cigarros,refundia, noite após noite,o que começara na véspera. Havia os domingos, é certo,mas os domingos eram a ressaca da semana:a indolência merecida ou desenganada,o pequeno almoço na cama,a música do rádio,a matinée no cinema do bairro e,sobretudo,o fastio das ruas em que a vida se adiava.A verdade é que,quando chegava o Verão,sentia as juntas perras,a moleza pegada ao corpo e,debalde,fugia ao langoroso convite dos cadeirões das esplanadas.Valia-lhe ser um peso pluma.Mas agora que,por um acaso da sorte e valendo-se de um duvidoso atestado de doença,interronpera o emprego para aceitar aquele trabalho,não desperdiçaria o ensejo de um pouco de marcha diária,já que da sua casa à Alameda nem dois quilómetros distavam.Marchar, numa rotina de sedentarismo (tanto os da alma como os dos músculos) também sabia a libertação.O homem, pois,saiu de casa a foi ao atravessar a rua que se lembrou dos ovos.Sem os ovos, nada feito. Estudara as coisas com rigurosa minúcia.Desavesado a certos lugares,e como nunca acompanhara a mulher nas compras,voltou atráz e gritou para cima, pelos roufenhos do intercumunicador:
- Maria,onde poderei encontrar ovos?
A mulher,com risos na voz,elucidou-o:
-Fica-te em caminho.Na Charcutaria"Pôr do Sol".
A Charcutaria "Pôr do SOL".Essa, conhecia ele.Ali a dois passos.Tomava lá café,nada mau,e só um herege podia ficar indiferente à exuberância da apetitosa montra,desde chourições aos papos de anjo de Amarante.Ovos,numa luxaria daquelas?A ideia intimidava-o.Entrou, porém armando-se com o alibi de precisar de cigarros,para o caso de se sentir em apuros.Viu-se,por momentos, aturdido com o labirinto de escaparates,mas logo um senhor mavioso,que o observara de longe,destes para quem"o cliente tem sempre razão",veio desembaraça-lo de hesitações.
-Tem a bondade.Vossa Excelência que deseja?
Adiou a resposta com um distraido ou ainda perturbado:
-Boa tarde.
-Boa tarde a Vossa Excelência. Deseja então...
-Ovos.
-Concerteza.Tem por onde escolher.
-Queria dos melhores.
O logista, que parecia passado a ferro de cima a baixo,assentiu numa reverência e,guiando o cliente até uma pilha de tabuleiros,apontou com a mão esmerada:
-Aqui os tem Vosssa Excelência.
O homem pegou num,dos ovos,rodou-o vagarosamente entre os dedos, avaliou-lhe o peso e, quando ia a apreciá-lo contra a luz,o logista interrompeu-o,já numa ênfase um tudo- nada agastada:
-São de primeira qualidade.Com carimbo.Vêm directamente de Albarraque,do produtor.Ovos saloios-e diluiu o olhar impaciente pelo que se passava em redor.
O pormenor do carimbo é que pareceu impressionar o cliente.Pois, lá estava o carimbo.Para quem não estivesse afeito aos códigos de mercancia,poderia parecer outra coisa,mas eram mesmo letras,números-um carimbo.Ficava a saber que por aí,se conheciam os ovos de confiança.
-Bem,já vejo que são bons.E suponho que frescos.
-Sem dúvida.
O logista aguardou uma ordem,ou seja.que o freguês mandasse embalar a quantidade desejada,e,de raspão,atentou em que ele nada trazia consigo,nem um saquinho disfarçado,que servisse para transportar os ovos.Mais que ia dizer-lhe para mandar a encomenda a casa.
-Quantas dúzias?
-Quero dois.
-Disse duas?
-Dois.Dois ovos.
-Vossa Excelência manda.
A imperturbabilidade do logista era um modelo de controle profissional das emoções.De calo no ofício.E também de natural fidalguia,perfeitamente compatível com uma actividade que alguns tinham por servil.Um senhor,enfim.Chamou a empregada para embrulhar os dois ovos e agradeceu como se tivesse tratado de uma compra choruda.
O homem esteve a trabalhar toda a tarde...
No dia seguinte, a cena da compra simplificou-se.
O senhor de falas corteses vio-o do balcão,antecipou-se a um marçano,talvez para que não houvesse perda de tempo e inquiriu:
-Hoje,Vossa Excelência deseja...
-Os ovos.Dois.Com carimbo.
Enquanto os escolhia no tabuleiro,o logista repetiu:
-Dois.Com carimbo.Ei-los.Mais nada?
-Mais nada.
O outro franziu a testa ainda lisa.Só a testa.Mas, ao convidar o freguês a acompanhá-lo na cariciosa mirada pelos artigos expostos,via-se que lhe era dificil aceitar o vexame de uma compra que não justificava que alguem pusesse os pés na mais ordinária das lojas.
-Temos um esplêndido queijo de Azeitão.Talvez Vossa Excelência...Mas se prefere da Serra...
_Não quero queijo.
-Ou fiambre.Não encontra que se compare.
-Apenas os ovos.
-Vossa Excelência manda.
À despedida,foi com um tempero de discreta ironia que o senhor afável perguntou;
-Vossa Excelência ficou satisfeito com os ovos de ontem?
-Eram perfeitos.
-Ainda bem.Nunca tivémos uma reclamação.
E o mesmo diálogo com a ocasional variante de meias palavras de embuçada intenção,nos dias que se seguiram.Mas,à quarta vez,depois de o logista o seduzir em vão,com atuns,salpicões,alheiras de Mirandela,intrigado com a história dos ovos... bastar-se com os ovos em três jantares sucessivos?(e o almoço,com mil diabos?) e nem ao menos se consolar com um naco de presunto ou uma talhada de queijo!...Por isso, o estranho cliente era uma carga de ossos.
-Boa tarde.
-Boas tardes a Vossa Excelência.
-Dois ovos como os de ontem.
-Ou como os de anteontem...
Sorriam ambos.A revalar para uma intimidade constrangida.
E estavam naquilo.à mesma hora.E,por ser à mesma hora,o logista já o esperava à porta.
Os dois ovinhos do costume,não é verdade?
-Dois.
-A que horas fecha a charcutaria?
-Às dez, caro senhor.
-Então passarei a vir a roda das nove.
O logista passou a mão branda pelos cabelos grissalhos,que a brilhantina escurecia e domesticava.Encorajava-se a um reparo.
Vossa Excelência desculpará a inpertinência:mas porque não leva de cada vez uma duzia de ovos,uma duzia ou outra quantidade qualquer,evitando o incómodo de...
-Prefiro assim.
Vossa Excelência manda.
Os gestos do logista,porém,a custo dissimulavam o nervosismo,para não dizer a irritação.Aguardava o cliente à hora prevista...
-Vossa Excelência tem frigorifico?
-Tenho,mas porque me pergunta?
-È que se permite uma sugestão,poderia abastecer-se com uma quantidade razoável de ovos,visto que, no frigorifico,consevam-se muitos dias.
-Bem sei.Mas quero-os bem frescos.Dois de cada vez.
-Vossa Excelência é casado?Perdoe o atrevimento.
-Atrevimento?De modo nenhum!Sou casado,sou.Há uns bons anos.
-E janta, portanto, em casa.
-Quase sempre.
-Ah.
E não ousou ir mais longe.Em cada dia ,que entre ambos se insinuava uma convivência de ambiguidades,o logista avançava em passo miúdo na tentativa de decifrar o mistério...
-Pelo que deduzo, Vossa Excelência gosta muito de ovos.
-Nem por isso.
Era demais.Aquilo excedia o que a curisidade e a compostura de um homem poderiam suportar.Sentia-se humilhado.Sentia-se humilhado desde o primeiro dia,para que negá-lo?Embrulhou os ovos à má cara,despediu o freguês
sem a saudação habitual.Porém num repente,foi sobre ele antes que passasse a porta,disse:
-Então os ovos são para alguém da familia...
-Não são para mim.
O logista mais não pôde que abrir a boca...
-Na vez seguinte,o logista escolheu com enfatuado desvelo os dois ovos...
-Sabe Vossa Excelência que tenho prazer em vender ovos?É que, para mim são um pitéu.Omelete com salsa...
-Pois eu nem com salsa nem sem ela.
-Ah.
No dia seguinte o logista aguardava-o junto ao balcão acompanhado de uma senhora um rapazola de uns catorze anos...,o grupo que paracia posar para um retrato,fitava-o com uma avidez imbuída de censura e reserva.Quanto ao logista entre o acusador e o triunfante:"Eu não vos dizia?É este."Aproximou-se de voz melada e irónica:
-Os dois ovinhos do costume,claro está.
-Aqui tem Vossa Excelência.Bom proveito.
No dia seguinte...
-Perdoe Vossa Excelência:gostaria de confessar uma curiosidade.
-Estou a ouvi-lo
-Bom o caso é este:os ovos,os dois ovos diários. não são para o senhor comer,não são para ninguém comer,pois foi o senhor a dizê-lo;então para que servem?
-Muito simples: para pintar.
O logista recuou,varado pela zombaria...,apontou o dedo trémulo...
-Diz Vossa Excelência que são para pintar.Tem graça.Carradas de graça.Para pintar de amarelo, bem entendido.
-De azul.Ou de violeta,vermelho,negro.-E após ter sublinhado uma pausa,falando espaçadamente e com uma deslavada
inocência:-Mas às vezes também de amarelo,de facto.
Olhando à roda,não fosse alguém reparar no diálogo,o logista retorquiu,sem já moderar o sarcasmo:
De azul , de preto, de violeta.Pintando!
-Com ovos
-O senhor, o senhor!-Estava prestes a pôr de banda todo o resguardo nas suas reações.Estava preste a esquecer,pela primeira vez na vida,que um cliente é um cliente.Mesmo sendo tonto ou lunático.Ou provocador.-Mas pintar aonde?
-Numa parede.No fundo da Alameda.Naquelas obras ao lado do Cinema.
-Ao lado do...No fundo da Alameda.
Há um tapume.è nessas obras.
-Mas isso é um café.
Vai ser Grande.O maior de Lisboa.
-A pintar.
-Com ovos,sim.O senhor pode ir lá ver.
-E vou .Quando?
-Quando quizer.Agora mesmo.
O logista ainda incrédulo disse e poderei ir depois de fechar a charcutaria?
-Claro que pode agora já sabe o sitio.
-Então lá estarei.
O homem divertido,foi saboreando a conversa ao longo da rua.Chegou à Alameda sem dar por isso.Começou a preparar a emulsão no almofariz.Aquilo servido numa travessa passaria por maionese.De um lado .a gema de ovo misturada com o óleo de linhaça;do outro o friso de latas com os pigmentos.Como estes eram uma poeira seca,aderiam ao pincel molhado na emulsão.Nada de colas.Estudara a técnica com todo o vagar.Lera alfarrábios,fizera experiências.A gema de ovo fora até ao século XVI um dos veículos das tintas.Os antigos não eram tolos.Para eles a arte começava na oficina. Interessara-lhes a gema de ovo, cuja albumina ligava perfeitamente a água ao óleo.Pintura co séculos de confirmação,resistindo às maiores usuras.Tinha de resultar.Mas quanto fizera sofrer o pobre logista!Exagerara.Sem premeditação,é certo empurrado pelas circunstâncias,pelos espantos,pelos tais laconismos.No entanto, talvez o enigma tivesse agitado a monotenia daquele viver.Batiam à porta, devia ser ele.Disse para o ajudante:
-Vai abrir que certamentede é o senhor dos ovos.
-Procuro uma pessoa que pinta aí nas obras...,sentiu-se engolido por um tunel de surpresas:andaimes,o esgazeamento
de luzes crua.Não viu logo o seu cliente,porque este sumia-se no poleiro de cavaletes.Mas de lá lhe chegou uma vóz familiar:
-Trepe a essa mesa é mais fácil.
Levantou a cabeça para o alto,na direcção das lâmpadas que tinham o feitio de olhos de rã.Uma vasta parede de cal e areia, por onde progredia,uma labareda de cores,a incendiar os esboços de carvão,representando pessoas com o ar extasiado de quem aguarda um cometa no céu.Ei-los,os vermelhos,os azuis,,os amarelos.Aceitou a mão que o ajudava.O cliente vestia um fato de macaco e,na face encovada,ondeava a magia das sombras.
-Repare-dizia-lhe o pintor,numa inflexão paciente e bem humorada-,repare nesse almofariz.E nas cascas dos ovos.É assim que se fáz a mistura.Um pouco de pó vermelho e aí temos o pincel a fazer das suas.
O visitante permanece silencioso.Esforça-se por recuperar a sua personalidade de logista...
-Razão tinhao Vossa Excelência.Dois ovos por dia,claro.Não precisava de mais.Desculpe ter duvidado.Confesso que ainda me sinto confuso.Vender ovos para alguém pintar!-Apoiou-se no estrado,fitando o cliente com serena admiração : -Tenho a honrra de estar falando com...
-Luis Dourdil,pintor.
-Agradecido a Vossa Excelência.O pior é que a minha mulher não vai acreditar.
Resposta a Matilde- de Fernando Namora "DOIS OVOS AO FIM DA TARDE" conto verídico sobre Luis Dourdil
- Maria,onde poderei encontrar ovos?
A mulher,com risos na voz,elucidou-o:
-Fica-te em caminho.Na Charcutaria"Pôr do Sol".
A Charcutaria "Pôr do SOL".Essa, conhecia ele.Ali a dois passos.Tomava lá café,nada mau,e só um herege podia ficar indiferente à exuberância da apetitosa montra,desde chourições aos papos de anjo de Amarante.Ovos,numa luxaria daquelas?A ideia intimidava-o.Entrou, porém armando-se com o alibi de precisar de cigarros,para o caso de se sentir em apuros.Viu-se,por momentos, aturdido com o labirinto de escaparates,mas logo um senhor mavioso,que o observara de longe,destes para quem"o cliente tem sempre razão",veio desembaraça-lo de hesitações.
-Tem a bondade.Vossa Excelência que deseja?
Adiou a resposta com um distraido ou ainda perturbado:
-Boa tarde.
-Boa tarde a Vossa Excelência. Deseja então...
-Ovos.
-Concerteza.Tem por onde escolher.
-Queria dos melhores.
O logista, que parecia passado a ferro de cima a baixo,assentiu numa reverência e,guiando o cliente até uma pilha de tabuleiros,apontou com a mão esmerada:
-Aqui os tem Vosssa Excelência.
O homem pegou num,dos ovos,rodou-o vagarosamente entre os dedos, avaliou-lhe o peso e, quando ia a apreciá-lo contra a luz,o logista interrompeu-o,já numa ênfase um tudo- nada agastada:
-São de primeira qualidade.Com carimbo.Vêm directamente de Albarraque,do produtor.Ovos saloios-e diluiu o olhar impaciente pelo que se passava em redor.
O pormenor do carimbo é que pareceu impressionar o cliente.Pois, lá estava o carimbo.Para quem não estivesse afeito aos códigos de mercancia,poderia parecer outra coisa,mas eram mesmo letras,números-um carimbo.Ficava a saber que por aí,se conheciam os ovos de confiança.
-Bem,já vejo que são bons.E suponho que frescos.
-Sem dúvida.
O logista aguardou uma ordem,ou seja.que o freguês mandasse embalar a quantidade desejada,e,de raspão,atentou em que ele nada trazia consigo,nem um saquinho disfarçado,que servisse para transportar os ovos.Mais que ia dizer-lhe para mandar a encomenda a casa.
-Quantas dúzias?
-Quero dois.
-Disse duas?
-Dois.Dois ovos.
-Vossa Excelência manda.
A imperturbabilidade do logista era um modelo de controle profissional das emoções.De calo no ofício.E também de natural fidalguia,perfeitamente compatível com uma actividade que alguns tinham por servil.Um senhor,enfim.Chamou a empregada para embrulhar os dois ovos e agradeceu como se tivesse tratado de uma compra choruda.
O homem esteve a trabalhar toda a tarde...
No dia seguinte, a cena da compra simplificou-se.
O senhor de falas corteses vio-o do balcão,antecipou-se a um marçano,talvez para que não houvesse perda de tempo e inquiriu:
-Hoje,Vossa Excelência deseja...
-Os ovos.Dois.Com carimbo.
Enquanto os escolhia no tabuleiro,o logista repetiu:
-Dois.Com carimbo.Ei-los.Mais nada?
-Mais nada.
O outro franziu a testa ainda lisa.Só a testa.Mas, ao convidar o freguês a acompanhá-lo na cariciosa mirada pelos artigos expostos,via-se que lhe era dificil aceitar o vexame de uma compra que não justificava que alguem pusesse os pés na mais ordinária das lojas.
-Temos um esplêndido queijo de Azeitão.Talvez Vossa Excelência...Mas se prefere da Serra...
_Não quero queijo.
-Ou fiambre.Não encontra que se compare.
-Apenas os ovos.
-Vossa Excelência manda.
À despedida,foi com um tempero de discreta ironia que o senhor afável perguntou;
-Vossa Excelência ficou satisfeito com os ovos de ontem?
-Eram perfeitos.
-Ainda bem.Nunca tivémos uma reclamação.
E o mesmo diálogo com a ocasional variante de meias palavras de embuçada intenção,nos dias que se seguiram.Mas,à quarta vez,depois de o logista o seduzir em vão,com atuns,salpicões,alheiras de Mirandela,intrigado com a história dos ovos... bastar-se com os ovos em três jantares sucessivos?(e o almoço,com mil diabos?) e nem ao menos se consolar com um naco de presunto ou uma talhada de queijo!...Por isso, o estranho cliente era uma carga de ossos.
-Boa tarde.
-Boas tardes a Vossa Excelência.
-Dois ovos como os de ontem.
-Ou como os de anteontem...
Sorriam ambos.A revalar para uma intimidade constrangida.
E estavam naquilo.à mesma hora.E,por ser à mesma hora,o logista já o esperava à porta.
Os dois ovinhos do costume,não é verdade?
-Dois.
-A que horas fecha a charcutaria?
-Às dez, caro senhor.
-Então passarei a vir a roda das nove.
O logista passou a mão branda pelos cabelos grissalhos,que a brilhantina escurecia e domesticava.Encorajava-se a um reparo.
Vossa Excelência desculpará a inpertinência:mas porque não leva de cada vez uma duzia de ovos,uma duzia ou outra quantidade qualquer,evitando o incómodo de...
-Prefiro assim.
Vossa Excelência manda.
Os gestos do logista,porém,a custo dissimulavam o nervosismo,para não dizer a irritação.Aguardava o cliente à hora prevista...
-Vossa Excelência tem frigorifico?
-Tenho,mas porque me pergunta?
-È que se permite uma sugestão,poderia abastecer-se com uma quantidade razoável de ovos,visto que, no frigorifico,consevam-se muitos dias.
-Bem sei.Mas quero-os bem frescos.Dois de cada vez.
-Vossa Excelência é casado?Perdoe o atrevimento.
-Atrevimento?De modo nenhum!Sou casado,sou.Há uns bons anos.
-E janta, portanto, em casa.
-Quase sempre.
-Ah.
E não ousou ir mais longe.Em cada dia ,que entre ambos se insinuava uma convivência de ambiguidades,o logista avançava em passo miúdo na tentativa de decifrar o mistério...
-Pelo que deduzo, Vossa Excelência gosta muito de ovos.
-Nem por isso.
Era demais.Aquilo excedia o que a curisidade e a compostura de um homem poderiam suportar.Sentia-se humilhado.Sentia-se humilhado desde o primeiro dia,para que negá-lo?Embrulhou os ovos à má cara,despediu o freguês
sem a saudação habitual.Porém num repente,foi sobre ele antes que passasse a porta,disse:
-Então os ovos são para alguém da familia...
-Não são para mim.
O logista mais não pôde que abrir a boca...
-Na vez seguinte,o logista escolheu com enfatuado desvelo os dois ovos...
-Sabe Vossa Excelência que tenho prazer em vender ovos?É que, para mim são um pitéu.Omelete com salsa...
-Pois eu nem com salsa nem sem ela.
-Ah.
No dia seguinte o logista aguardava-o junto ao balcão acompanhado de uma senhora um rapazola de uns catorze anos...,o grupo que paracia posar para um retrato,fitava-o com uma avidez imbuída de censura e reserva.Quanto ao logista entre o acusador e o triunfante:"Eu não vos dizia?É este."Aproximou-se de voz melada e irónica:
-Os dois ovinhos do costume,claro está.
-Aqui tem Vossa Excelência.Bom proveito.
No dia seguinte...
-Perdoe Vossa Excelência:gostaria de confessar uma curiosidade.
-Estou a ouvi-lo
-Bom o caso é este:os ovos,os dois ovos diários. não são para o senhor comer,não são para ninguém comer,pois foi o senhor a dizê-lo;então para que servem?
-Muito simples: para pintar.
O logista recuou,varado pela zombaria...,apontou o dedo trémulo...
-Diz Vossa Excelência que são para pintar.Tem graça.Carradas de graça.Para pintar de amarelo, bem entendido.
-De azul.Ou de violeta,vermelho,negro.-E após ter sublinhado uma pausa,falando espaçadamente e com uma deslavada
inocência:-Mas às vezes também de amarelo,de facto.
Olhando à roda,não fosse alguém reparar no diálogo,o logista retorquiu,sem já moderar o sarcasmo:
De azul , de preto, de violeta.Pintando!
-Com ovos
-O senhor, o senhor!-Estava prestes a pôr de banda todo o resguardo nas suas reações.Estava preste a esquecer,pela primeira vez na vida,que um cliente é um cliente.Mesmo sendo tonto ou lunático.Ou provocador.-Mas pintar aonde?
-Numa parede.No fundo da Alameda.Naquelas obras ao lado do Cinema.
-Ao lado do...No fundo da Alameda.
Há um tapume.è nessas obras.
-Mas isso é um café.
Vai ser Grande.O maior de Lisboa.
-A pintar.
-Com ovos,sim.O senhor pode ir lá ver.
-E vou .Quando?
-Quando quizer.Agora mesmo.
O logista ainda incrédulo disse e poderei ir depois de fechar a charcutaria?
-Claro que pode agora já sabe o sitio.
-Então lá estarei.
O homem divertido,foi saboreando a conversa ao longo da rua.Chegou à Alameda sem dar por isso.Começou a preparar a emulsão no almofariz.Aquilo servido numa travessa passaria por maionese.De um lado .a gema de ovo misturada com o óleo de linhaça;do outro o friso de latas com os pigmentos.Como estes eram uma poeira seca,aderiam ao pincel molhado na emulsão.Nada de colas.Estudara a técnica com todo o vagar.Lera alfarrábios,fizera experiências.A gema de ovo fora até ao século XVI um dos veículos das tintas.Os antigos não eram tolos.Para eles a arte começava na oficina. Interessara-lhes a gema de ovo, cuja albumina ligava perfeitamente a água ao óleo.Pintura co séculos de confirmação,resistindo às maiores usuras.Tinha de resultar.Mas quanto fizera sofrer o pobre logista!Exagerara.Sem premeditação,é certo empurrado pelas circunstâncias,pelos espantos,pelos tais laconismos.No entanto, talvez o enigma tivesse agitado a monotenia daquele viver.Batiam à porta, devia ser ele.Disse para o ajudante:
-Vai abrir que certamentede é o senhor dos ovos.
-Procuro uma pessoa que pinta aí nas obras...,sentiu-se engolido por um tunel de surpresas:andaimes,o esgazeamento
de luzes crua.Não viu logo o seu cliente,porque este sumia-se no poleiro de cavaletes.Mas de lá lhe chegou uma vóz familiar:
-Trepe a essa mesa é mais fácil.
Levantou a cabeça para o alto,na direcção das lâmpadas que tinham o feitio de olhos de rã.Uma vasta parede de cal e areia, por onde progredia,uma labareda de cores,a incendiar os esboços de carvão,representando pessoas com o ar extasiado de quem aguarda um cometa no céu.Ei-los,os vermelhos,os azuis,,os amarelos.Aceitou a mão que o ajudava.O cliente vestia um fato de macaco e,na face encovada,ondeava a magia das sombras.
-Repare-dizia-lhe o pintor,numa inflexão paciente e bem humorada-,repare nesse almofariz.E nas cascas dos ovos.É assim que se fáz a mistura.Um pouco de pó vermelho e aí temos o pincel a fazer das suas.
O visitante permanece silencioso.Esforça-se por recuperar a sua personalidade de logista...
-Razão tinhao Vossa Excelência.Dois ovos por dia,claro.Não precisava de mais.Desculpe ter duvidado.Confesso que ainda me sinto confuso.Vender ovos para alguém pintar!-Apoiou-se no estrado,fitando o cliente com serena admiração : -Tenho a honrra de estar falando com...
-Luis Dourdil,pintor.
-Agradecido a Vossa Excelência.O pior é que a minha mulher não vai acreditar.
Resposta a Matilde- de Fernando Namora "DOIS OVOS AO FIM DA TARDE" conto verídico sobre Luis Dourdil
MEMÓRIAS DE UMA LISBOA DE OUTRA ÉPOCA-DOURDIL REALIZOU /FRESCO/PINTURA MURAL- 1955 CAFÉ IMPÉRIO EM LISBOA
Destaque, Mural de Luís Dourdil , o painel de azulejos de Jorge Barradas e esculturas de Martins Correia
Cassiano Viriato Branco uma das referências fundamentais da arquitectura modernista em Portugal que não se limitou a projectar na capital, deixou a sua marca por todo o território nacional.
Numa das minhas visitas a Lisboa, e a conselho da minha filha mais velha, foi-me sugerido ir comer um bife ao Café Império.
Já não entrava no "Império" há pelo menos vinte e cinco anos. Aí chegados, viajei no tempo e lembrei-me de imediato do "Império" de outros tempos, com o seu trintanário à porta vestido com o samarrão verde escuro com o seu imponente acordoamento dourado que lhe povoava peito, conferindo-lhe um ar imperial a condizer com o nome do estabelecimento.
Desço as escadas e à medida que o faço, novas memórias me assaltam. Revejo a enorme sala, onde clientes e empregados estão envoltos numa nuvem de fumo. As enormes ventoinhas fazem a extracção possível. Atarefados empregados fardados de jaqueta branca e calça preta, atendem a clientela que à volta das mesas redondas conversam em animadas tertúlias, enquanto estes manejam bandejas pejadas de bicas e copos de água num raro exercício quase...quase circense!
Engraxadores chegaram a ser cinco e empregados de mesa 70, conforme me confidencia José Gonçalves, empregado na casa desde 1971 e o último depositário de uma memória que agora o novo Café Império quer preservar.
Numa Lisboa de brandos costumes, era nos cafés que se estudava, conspirava e “engatava”. Pela manhã, bandos de estudantes mergulhavam em calhamaços de empinar matéria, enquanto se perdiam em eternidades no exercício de misturar o açúcar com o café no rodopio infinito da minúscula colher.
Pela tarde chulos de penteado acabado de fazer no barbeiro da esquina, piscam o olho a fêmeas que se dão por ali “ à morte” num exercício de presa e caçador, sendo que normalmente é o caçador que é caçado.
O Império fechava às 2.30 horas e pela noite dentro servia os famosos bifes que lhe trouxeram fama e rivalidade com os outros, havendo mesmo partidários de um e outro naco de carne banhado em molho de entrada.
Já não entrava no "Império" há pelo menos vinte e cinco anos. Aí chegados, viajei no tempo e lembrei-me de imediato do "Império" de outros tempos, com o seu trintanário à porta vestido com o samarrão verde escuro com o seu imponente acordoamento dourado que lhe povoava peito, conferindo-lhe um ar imperial a condizer com o nome do estabelecimento.
Desço as escadas e à medida que o faço, novas memórias me assaltam. Revejo a enorme sala, onde clientes e empregados estão envoltos numa nuvem de fumo. As enormes ventoinhas fazem a extracção possível. Atarefados empregados fardados de jaqueta branca e calça preta, atendem a clientela que à volta das mesas redondas conversam em animadas tertúlias, enquanto estes manejam bandejas pejadas de bicas e copos de água num raro exercício quase...quase circense!
Engraxadores chegaram a ser cinco e empregados de mesa 70, conforme me confidencia José Gonçalves, empregado na casa desde 1971 e o último depositário de uma memória que agora o novo Café Império quer preservar.
Numa Lisboa de brandos costumes, era nos cafés que se estudava, conspirava e “engatava”. Pela manhã, bandos de estudantes mergulhavam em calhamaços de empinar matéria, enquanto se perdiam em eternidades no exercício de misturar o açúcar com o café no rodopio infinito da minúscula colher.
Pela tarde chulos de penteado acabado de fazer no barbeiro da esquina, piscam o olho a fêmeas que se dão por ali “ à morte” num exercício de presa e caçador, sendo que normalmente é o caçador que é caçado.
O Império fechava às 2.30 horas e pela noite dentro servia os famosos bifes que lhe trouxeram fama e rivalidade com os outros, havendo mesmo partidários de um e outro naco de carne banhado em molho de entrada.
Publicado na Revista "30 Dias" de Maio de 2009
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Dourdil expressava a paixão e a angústia existencial do homem contemporâneo nas suas obras.
"Nos seus quadros ricos de transparência, sente-se uma passagem perfeita dos primeiros aos últimos planos, e atinge-se o acordo entre a figura humana e a envolvência atmosférica numa harmonia tão íntima num equilíbrio tão justo, que deixa de ser necessário o contorno que individualiza a figura, para que seja amortecido o rigor do contacto entre o sólido e o fluído”.Rui Mário Gonçalves
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
" Dourdil continuarás pelo tempo a existir em mim tanto como conselheiro como artista onde tanto "bebi" da tua arte. Obrigado" António Sem
Luis Dourdil
Homenageando o desenhador e pintor Luís Dourdil, a exposição contou com dois grandes núcleos: um de desenho (Galeria Principal) e outro de pintura (Galeria do Pátio). Pretendeu-se assim dar a ver a relação de completamentaridade existente entre as duas linguagens preferenciais do autor, o modo como a pintura se libertava do desenho e o modo como o desenho se assumia como linguagem sintética, reduzindo-se ao essencial, depurando-se em traços quase reduzidos a uma sugestão formal. Além de uma breve antologia, o catálogo conta com textos inéditos de Ana Isabel Ribeiro, Ana Ruivo e Rogério Ribeiro. Coordenação geral: Ana Isabel Ribeiro.
(...) "Pequena história que ilustra bem o seu carácter.Dourdil trabalhava num atelier nos Corochéus cujos jardins envolventes, a partir de determinada altura foram palco de habilidades motorizadas diversas.O ruído produzido era extremamente perturbador do seu trabalho,interferindo demasiado no seu silêncio peculiar.Foi então que Dourdil interpelou esses jovens,convidando-os,inclusivamente, a visitar o seu atelier,mostrando-lhes o seu trabalho,em muitos dos quais figuravam esses mesmos jovens de jeans e capacetes em deleites fortuitos nos relvados.Chegaram então a um acordo:quando Dourdil estivesse a trabalhar,colocava à janela um pano vermelho,sinal suficiente para que os motores se silenciassem na proximidade do atelier.Note-se que este acordo foi honrado,para espanto de outros".(...) Ana Isabel Ribeiro in Luis Dourdil O Lápis Como Instrumento Soberano Catálogo Casa da Cerca
(...) "Dourdil (Nasceu em 1914) é porventura o mais velho autor de pinturas que curiosamente incidem numa temática actual: a juventude marginal que,de "jeans","ténis" e capacetes de motorizadas,se deita descuidadamente nos jardins públicos,onde, ao sol,esboça delicados gestos de ternura,e amor: e retrata também a massa humana e anónima que diariamente se comprime no metropolitano e nos autocarros.Não há rostos na sua figuratização abstractizante,mas apenas corpos vestidos ou volumes diluídos num espaço de luz ténue,que através de uma subtil gama de cinzentos na articulação de formas e planos."(...) Eurico Gonçalves in Catálogo " A Gaveta do Artista",1986
Sem /Título,s/data Óleo s/tela 125x92
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
DOURDIL in Rocha de Sousa
" A sua obra enche-se progressivamente de silêncios falantes,há nela uma sufocação magoada,a memória das dilacerações,a paisagem privada de som físico e suspensa de uma espécie de tragédia sem nome.Estilhaçadas, as formas vivem trajectórias incumpridas,desfazem-se e refazem-se em câmara lenta,como num filme irreal e, no entanto,comovente de humanidade."
Rocha de Sousa in DOURDIL Col/Artes e Artistas Imprensa Nacional Casa da Moeda
Luis Dourdil-Pintores Portugueses do Século XX
"A figura humana é o pretexto de todas as composições de Luis Dourdil,de picturalidade serena e sensível,respeitadora da superfície do suporte.Os espaços cheios e os vazios são tratados com igual cuidado; a cor apresenta-se em planos paralelos ao plano da tela,escalonando-se em profundidade,num rigor visual que a torna mais complexa e melhor adaptada ás inflexões da sua sensibilidade,no jogo subtil de transparências que se equilibra com a procura de luminosidade."
Rui Mário Gonçalves in 100 Pintores Portugueses do Século XX
Rui Mário Gonçalves in 100 Pintores Portugueses do Século XX
Óleo de Luis Dourdil com o" Título Recordando Nicolas de Stael", sem data
"Luis Dourdil era um autodidacta.
Para aventura da pintura partira com o benefício,que tantas vezes acaba por se revelar uma limitação,de ser realmente dotado para reproduzir o real.O desenho e a sua prática emergia como meio mais fácil para dar existência concreta a este dom e viria a afirmar-se como uma vertente de tal modo significativa que a própria pintura se tornaria dele inegavelmente tributária." António Bacalhau in catálogo da Galeria 111 Setembro de 1991
Para aventura da pintura partira com o benefício,que tantas vezes acaba por se revelar uma limitação,de ser realmente dotado para reproduzir o real.O desenho e a sua prática emergia como meio mais fácil para dar existência concreta a este dom e viria a afirmar-se como uma vertente de tal modo significativa que a própria pintura se tornaria dele inegavelmente tributária." António Bacalhau in catálogo da Galeria 111 Setembro de 1991
Operação Cirúrgica Homenagem de Dourdil a Jacques Villon
"Em 1963 a pintura decorativa Operação Cirúrgica é talvez a mais geometrizada e de cromatismo mais violento.Mas essa sentida homenagem constituiu também uma despedida,passando Dourdil a praticar um desenho menos predeterminado.Linhas sensíveis revelam o diálogo entre a mão e o olhar do pintor,na construção de um espaço que é sempre entendido através da sugestão da figura humana,em desenhos que valem por si mesmos,ou em pinturas de harmónicos valores luminosos." Rui Mário Gonçalves in 100 Pintores Portugueses do Século XX Publ.Alfa
domingo, 2 de outubro de 2011
Exposição de Pintura e Desenho Galeria 111 Setembro/1991 Óleo s/tela 92x125
"Dourdil era um homem brando,contido e calmo que na sua humildade e modéstia escondia uma profunda ternura.Autodidacta sem que dessa circunstância jamais se pavoneasse.As suas obras expressam com extraordinária originalidade o panorama pictórico nacional.A expressão serena dos seus desenhos e óleos nunca se afastou totalmente de uma figuração tratada com linhas ou tons vibrantes que,paradoxalmente nasciam de um traço leve e da utilização de cores neutras." - António Pedro Vicente in Catálogo da Exposição Luis Dourdil Pintura e Desenho,Galeria 111, Set.1991Ver mais
Exposição de Pintura e Desenho de Luis Dourdil - Óleo s/Tela de 1984 - 130x120 Palácio Galveias-2001
"Luis Dourdil,discreto e organizado,pintou (superiormente) como viveu,inteiro,com coerência,numa espécie de modéstia ao mesmo tempo perplexa e empolgada,sentido por dentro as suas referências culturais,auto-aprendizagem,o correr da História.Entrar no seu atelier do Coruchéus era descobrir-lhe a ordem,a serenidade do lento e longo diálogo com as aparências.os materiais e as matérias da pintura,o equilíbrio de um profissionalismo conquistado em muitos anos de pesquisa gráfica.É preciso reafirmar que Luis Dourdil é um dos principais autores da pintura moderna portuguesa e que a justiça de que porventura beneficia agora chegou tarde e mal dimensionada no confronto com personalidades,suas contemporâneas, de idêntico valor.Isso pode dever-se em parte,ao modo de ser do artista,à sua modéstia,mas deve-se também,e sobretudo,à incapacidade dos nossos analistas para escapar a este fenómeno provinciano(de mimetismo complexado) que os reduz aos padrões consumíveis da moda e os impede de assumir,com isenção científica,critérios históricos e estéticos,o estudo plural de modos de formar que se distinguam,em exemplar qualidade,daquele tipo de referências.
Dourdil não foi um autor de circunstância.Não teve nunca de se submeter o mundo das suas formas e da sua ecrita aos postulados efémeros da exterioridade consumista.Não teve porque acreditava no valor intrínseco das suas descobertas e conferia maior importância ao trajecto lento mas sincero,e essa interioridade que sempre sobrepôs." - Rocha de Sousa in Artes Plásticas,nº1 Jul.1990
Dourdil não foi um autor de circunstância.Não teve nunca de se submeter o mundo das suas formas e da sua ecrita aos postulados efémeros da exterioridade consumista.Não teve porque acreditava no valor intrínseco das suas descobertas e conferia maior importância ao trajecto lento mas sincero,e essa interioridade que sempre sobrepôs." - Rocha de Sousa in Artes Plásticas,nº1 Jul.1990
Pintura / Desenho Exposição de Luis Dourdil na Galeria 111- Setembro de 1991
"Apesar da sua personalidade discreta,Luis Dourdil não deixou de exercer um continuado protagonismo na estagnada cena artistica nacional da primeira metade do século,sendo mesmo um dos principais nomes que,vindos dos anos 30,conseguiram projectar com sentido de sobrevivência a sua obra nas décadas seguintes...
Dourdil elege os temas que servirão para dar continuidade a um trabalho feito com a convicção de quem descobrira a força da autenticidade e a prevalência de valores como a coerência.Na constância do seu trabalho são observáveis transformações que não representam mais que o normal fluir de uma linguagem.Grupos humanos surpreendidos nos transportes públicos,no limiar de uma viagem que nunca acaba,porque todos os dias recomeça.Jovens ociosos,envolvendo-se em abraços que parecem fundir os corpos...
Dourdil conquistara a serenidade dos espiritos livres.Era finalmente um Mestre."- António Bacalhau in Catálogo da Galeria 111-Luis Dourdil Pintura E Desenho/ Setembro de 1991.
Dourdil elege os temas que servirão para dar continuidade a um trabalho feito com a convicção de quem descobrira a força da autenticidade e a prevalência de valores como a coerência.Na constância do seu trabalho são observáveis transformações que não representam mais que o normal fluir de uma linguagem.Grupos humanos surpreendidos nos transportes públicos,no limiar de uma viagem que nunca acaba,porque todos os dias recomeça.Jovens ociosos,envolvendo-se em abraços que parecem fundir os corpos...
Dourdil conquistara a serenidade dos espiritos livres.Era finalmente um Mestre."- António Bacalhau in Catálogo da Galeria 111-Luis Dourdil Pintura E Desenho/ Setembro de 1991.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
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