terça-feira, 28 de novembro de 2017

Ilustrações de Livros -Dourdil


Desenhos de Luís Dourdil


Antologia do Conto Moderno de João Gaspar Simões 

Tema: Literatura Universal, Contos 

Arcádia-1958







"O leitor dum poema age como o sol sobre o gelo: provoca o regresso ao estado fluido da realidade psicológica cristalizada.”


Fragmento de “O mistério da poesia”, de João Gaspar Simões







Romancista, dramaturgo e biógrafo é sobretudo conhecido como crítico literário.

João Gaspar Simões nasceu na Figueira da Foz, em 1903.

Fundador de algumas revistas literárias de grande importância no panorama artístico português, como a Tríptico e a Presença. Colaborou com diversos jornais, entre eles o Diário de Lisboa, o Diário de Notícias, o Diário Popular e o Mundo Literário.

Divulgou e traduziu vários autores russos e anglófonos.

A partir de 1935 foi revisor da Imprensa Nacional passando para a Biblioteca desta instituição em 1940. Entre 1942 e 1945 dirigiu o programa de traduções da Editora Portugália, em Lisboa..

Foi um dos primeiros biógrafos de Fernando pessoa.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Registos e curiosidades sobre a vida e obra do pintor Luis Dourdil



1. A amizade de seu pai Fernando Carvalho Seixas  com o pintor Luís Dourdil decorria de que circunstância?

A amizade de ambos nasceu do “berlinde”, pelo contacto de proximidade, que os fazia partilhar a mesma área de habitação, na zona de Benfica. 
André-Henri Dargelas, “Boys playing marbles”, grafite sobre papel, c. 1860. 





O meu pai vivia na Avenida Conselheiro Barjona de Freitas e o Luís Dourdil na Estrada de Benfica, julgo que nas redondezas do antigo Restaurante Ferro de Engomar - hoje fechado - e que tornejava para esse arruamento. As compleições físicas de ambos eram opostas e embora meu pai fosse 4 anos mais novo, a altura e a estrutura óssea não apenas o fazia aparentar mais alguma idade, como em brincadeira de rapazes era sempre o defensor de Luís Dourdil.
A partir dos 16/17 anos de idade apanhavam juntos, com regularidade, o eléctrico que os trazia ao Chiado, para lá frequentarem os cafés, nomeadamente A Brasileira

                                                  O entrevistado,arquitecto Fernando Seixas

Foi uma amizade que os manteve sempre próximos e que durou a vida inteira, fazendo do meu pai um mecenas da arte. Luís Dourdil, se bem que era um artista reconhecido em determinados meios, a pintura não lhe angariava autonomia financeira, por essa ou por outras razões o seu percurso artístico, apesar dos prémios e da obra existente continua, a meu ver, ainda a ser pouco considerado e pouco conhecido.

2. É, pois, possível inferir que a amizade de ambos foi sempre uma constante. Recorda-se de alguma situação específica relevante?








Laboratório Sanitas__ Laboratório químico e farmacêutico cujas instalações eram constituídas por seis grandes edifícios de 40 metros de comprido cada cobrindo uma área de 10.000 m2 no quarteirão formado pelas ruas D. João V, Custódio Vieira e Silva Carvalho e onde Luís Dourdil paralelamente à pintura exerceu a profissão de designer gráfico.






Sim, claro. O meu pai quando assume a direcção do Laboratório Sanitas, Presidente do Conselho de Administração, por volta do ano ________ ,consegue, pouco depois,contratar o Luís Dourdil como gráfico-designer, julgo que esta configura uma situação pioneira para a época. Pretendia, assim, contar com alguém que para além da técnica do desenho, oferecesse, sobretudo, a dimensão e a qualidade artística à concepção de embalagens farmacêuticas. Por outro lado, esta foi uma forma que o meu pai arranjou para dotar o Luís Dourdil de alguma independência financeira, garantindo a estabilidade que considerava indispensável à produção criativa. Posso referir, por exemplo, a encomenda das pinturas murais para a Sanitas que hoje se encontram no Museu da Farmácia, permitindo ao pintor uma possibilidade de expressão plástica que, no caso, era ilustrativa das funções do Laboratório Sanitas e que muito dignificava a empresa.
Museu da Farmácia em Lisboa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_Dourdil

3. E quanto ao Café Império do Cinema Império?

Entre os anos 40/ 50 o meu pai resolveu investir no Cinema Império. Para além do projecto de Cassiano Branco, há a ter em conta a intervenção de Frederico George e de Chorão Ramalho, que terão tido maior importância do que se pensa. Julgo até que terá havido uma qualquer incompatibilidade entre meu pai e o Cassiano, no âmbito da concretização de um projecto cultural que para além do arquitectónico, pretendia que também fosse decorativo, circunstância que meu pai acalentava há muito. 
De qualquer modo, em contexto de época e nesta perspectiva, exigia-se um cinema e um café que substanciasse um conceito polivalente dedicado às artes. Aliás, penso poder afirmar ser o Cinema Império o primeiro a dispôr de uma sala-estúdio, acrescentando mais uma dimensão ao projecto. Nesta matéria, há a referir, a componente decorativa que não constituiu uma encomenda avulso no dito projecto cultural, mas elaborou uma intenção de programa que "enroupava" os espaços de características plásticas, criando uma ambiência favorável ao pensamento e desejo que meu pai queria concretizar: uma Casa de Cultura, dedicada à música e ao cinema, de que a sala-estúdio já referida, por exemplo, vinha reafirmar. Contando com os seus relacionamentos com pintores e escultores e tendo em mente a divulgação da cultura, tanto o cinema, como o café eram lugares dedicados a recepcionarem diversos elementos plásticos, da autoria criativa dos vários artistas, também amigos, de que se rodeava.


Esgrafito de Luis Dourdil no Foyer de honra do Cinema Império em Lisboa.


No que diz respeito ao Luís Dourdil, o foyer do 1º andar do cinema tem um esgrafito da sua autoria, bem como podemos observar uma pintura mural no café, - de grandes dimensões – especificamente solicitada para cumprir a caracterização do espaço, promovendo a criação de atmosferas típicas ao café-restaurante, mas sobretudo para favorecer a ambiência de debate e conversa que tanto impressionara a vivência do meu pai na Brasileira e que à época continuava a manter.








Obviamente que sendo o Luís Dourdil gráfico da Sanitas, a encomenda terá sido feita com a beness da entidade patronal.
Trabalhou no mural do Café Império aos fins de tarde, noites e fins-de-semana e mesmo que tivesse de sair um pouco mais cedo do seu posto de trabalho, tal facto era claramente consensual.
Esta lógica de trazer a participação de artistas para estes espaços foi mais longe do que se fala hoje em dia, inclusivamente, há a referir os desconhecidos tapetes e as desaparecidas cadeiras do Café Império, assim como os candeeiros do foyer do 1º andar do cinema, propostas de autorais da concepção de arquitectos e/ou artistas plásticos.

A criação de um espaço que divulgasse a cultura e a promovesse fundamentava todas estas opções, qualificando o ambiente de expressões estéticas que em tudo sublinhavam as vivências pretendidas. É de referir ainda, os nomes de Martins Correia, Jorge Barradas, Daciano Costa, Rogério Ribeiro,
entre tantos outros. Sobre o cinema propriamente dito apenas uma referência ao cinema neo-realista italiano, programação que na altura fora privilegiada, algumas fitas americanas e o cinema hoje designado como alternativo - na sala-estúdio - onde se projectavam filmes que não integravam o circuito comercial.



Resta apenas acrescentar, a título de curiosidade, que a lógica aplicada ao Cinema/Café Império era a mesma que foi aplicada na nossa casa de família no Príncipe Real, trazer ao interior a qualidade estética que garantia uma convivência em contexto cultural e artístico.




No próprio jardim desta casa Luís Dourdil fez uma pintura mural, numa das suas paredes, que consistiu num ensaio preparatório ao que realizou no café Império, construindo uma composição de natureza figurativa com os atributos da pintura geometrizada, testando o que para ele pintor considerava determinante para a elaboração da obra.

4. Recorda-se de algo mais, relativo ao trabalho de Luís Dourdil, por exemplo, enquanto empregado da Sanitas?

Há um pormenor muito interessante que a maioria das pessoas desconhecem no âmbito do trabalho de gráfico-designer que o Luís Dourdil desenvolveu para a Sanitas e que extravasou o conceito restrito da embalagem do medicamento. Ele concebeu, com frequência, trípticos constituídos pela embalagem, dépliant e explicação do produto, para ser entregue ao médico.
O dépliant era um encarte para as revistas médicas da época, que tirava partido do tamanho das folhas e da inclusão do desenho, servindo-se da imagem do próprio medicamento. Recorda-se, por exemplo, daqueles comprimidos que tinham uma pequena reentrância a meio, marcando a linha de corte para o dividir em duas partes... pois o Luís Dourdil colocava o desenho desse comprimido a meio da folha, coincidindo com uma das dobras do dépliant... como pode imaginar parte da explicação ao médico era visual e por isso imediata. Tal circunstância era conseguida pela simplicidade que seleccionava o óbvio, que tinha na concepção do desenho dos produtos gráficos um princípio fundamental a
criação de instrumento de divulgação que era simultaneamente um esclarecimento científico.




O hábil manuseamento do desenho, potenciava o projecto ao serviço de uma ideia que, neste caso, tinha características técnicas e científicas. Para nós, hoje, isto tem pouco relevo, mas à época a concretização destes elementos ao serviço de uma empresa, nesta caso farmacêutica, era de facto inovadora.

5. Para terminar uma última questão dirigida aos aspectos que envolveram a encomenda da obra de tapeçaria que Luís Dourdil concebeu para uma igreja. Quer falar-nos disso?

Sim, …
( …)

Foram formuladas o total de cinco questões constituindo o documento que se desenvolve ao longo de quatro páginas A4, devidamente numeradas e rubricadas, antecedido por uma breve nota introdutória. Desta entrevista imprimiram-se três originais, um para o entrevistado, outro para a família e outro para a entrevistadora/CML/Maria Teresa Bispo.
Entrevista telefónica a Fernando Seixas realizada por Maria Teresa Bispo, no dia 7 de Dezembro (Domingo) de 2014, para ser posteriormente validada e assinada por ambas as partes, com vista a documentar algumas memórias, hoje testemunhos, relativas à obra pública e muralista de Luís Dourdil.



Fernando Seixas          Maria Teresa Bispo

Retrato de um povo -Luís Dourdil







Sobre o pintor...



«Luís Dourdil discreto e organizado, pintou (superiormente) como viveu, inteiro, com coerência, numa espécie de modéstia ao mesmo tempo perplexa e empolgada, sentindo por dentro as suas referências culturais, auto-aprendizagem, o correr da História.



Entrar no seu atelier do Coruchéus era descobrir-lhe a ordem, a serenidade do lento e longo diálogo com as aparências, os materiais e as matérias da pintura, o equilíbrio de um profissionalismo conquistado em muitos anos de pesquisa gráfica.



É preciso reafirmar que Luis Dourdil é um dos principais autores da pintura moderna portuguesa e que a justiça de que porventura beneficia agora chegou tarde e mal dimensionada no confronto com personalidades, suas contemporâneas, de idêntico valor. Isso pode dever-se em parte, ao modo de ser do artista, à sua modéstia, mas deve-se também, e sobretudo, à incapacidade dos nossos analistas para escapar a este fenómeno provinciano (de mimetismo complexado) que os reduz aos padrões consumíveis da moda e os impede de assumir, com isenção científica, critérios históricos e estéticos, o estudo plural de modos de formar que se distingam, em exemplar qualidade, daquele tipo de referências.



Dourdil não foi um autor de circunstância. Não teve nunca de se submeter o mundo das suas formas e da sua escrita aos postulados efémeros da exterioridade consumista. Não teve porque acreditava no valor intrínseco das suas descobertas e conferia maior importância ao trajecto lento mas sincero, e essa interioridade que sempre sobrepôs.»

Fonte: Rocha de Sousa in Artes Plásticas, nº1 Jul. 1990