sábado, 28 de setembro de 2013

"VARINAS" DE LUIS DOURDIL


" VARINAS" Óleo s/Platex 57 X 30 de 1952

Maria Lisboa



É varina, usa chinela,
tem movimentos de gata;
na canastra, a caravela,
no coração, a fragata.

Em vez de corvos no xaile,
gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
baila no baile com o mar.

É de conchas o vestido,
tem algas na cabeleira,
e nas velas o latido
do motor duma traineira.

Vende sonho e maresia,
tempestades apregoa.
Seu nome próprio: Maria;
seu apelido: Lisboa.




David Mourão Ferreira

" VARINAS" DE LUIS DOURDIL







(...)
Dourdil na sua oficina de alquimista da paleta tem
vindo, a fazer subtis,pacientes experiências.É dos
que não dá um quadro por terminado.Cada um deles é uma
tentativa "que lhe aconteceu", como diria Pessoa"
Na suas telas objectiva o essencial,fugindo a qualquer significado,ao aliciamento do assunto,ao anedótico ilustrativo, principalmente (e nisto com austera humildade) ao narcisismo de cultivar a forma pela beleza formal.É nesse" essencial concentrado", como lhe chamo, que ele procura todo o abstracto que a arte pode conter.(...)
Roberto Nobre
in" Lusíada",volume 4º,nº 13 de 1960

" VARINAS" DE LUIS DOURDIL



"Varinas" Pastel s/Papel c. 1952/54 50 X 24

NA HORA DE PÔR A MESA ÉRAMOS CINCO


“na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

(José Luis Peixoto)






" VARINAS " DE LUIS DOURDIL




“Nos seus quadros ricos de transparência, sente-se uma passagem perfeita dos primeiros aos últimos planos, e atinge-se o acordo entre a figura humana e a envolvência atmosférica numa harmonia tão íntima num equilíbrio tão justo, que deixa de ser necessário o contorno que individualiza a figura, para que seja amortecido o rigor do contacto entre o sólido e o fluído”.
 Rui Mário Gonçalves



Para o situar a geração de Dourdil, vale a pena lembrar os nomes de alguns pintores portugueses que nasceram nessa década:
" Mário Dionisio, Álvaro Perdigão, Manuel Filipe, Manuel Ribeiro Pavia, Estrela Faria, Augusto Gomes, José de Lemos, Paulo Ferreira,Cândido da Costa Pinto, Magalhães Filho, Guilherme Camarinha, Manuel Lapa, António Dacosta, João Navarro Hogan, Luís Dourdil, Maria Keil, Júlio Resende. Joaquim Rodrigo e José Júlio, nascidos também na mesma década,vieram a revelar-se pintores, mais tarde do que os outros.
É um conjunto de artistas que fazem charneira entre a geração de Botelho, Eloy, Júlio, Alvarez, e a geração de Pomar, Lanhas, Vespeira e Fernando de Azevedo. Vieira da Silva era ainda muito pouco conhecida, por viver fora de  Portugal. O fluir da vida cultural deve ser conhecido se queremos entender alguma coisa da acção dos protagonistas".

Rui Mário Gonçalves






" VARINAS" DE LUIS DOURDIL

ÓLEO S/PLATEX C.1955 100 X 60



  Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e nao estamos de maos enlaçadas.
                  (Enlacemos as maos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e nao fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
                  Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as maos, porque nao vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
                  E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixoes que levantam a voz,
Nem invejas que dao movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
                   E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
                   Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
                   Pagaos inocentes da decadencia.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as maos, nem nos beijamos
                    Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
                    Pagã triste e com flores no regaço.

                                           Ricardo Reis

"Nunca fui um paisagista. Parti sempre da forma real, mas só me interessei de facto pela figura humana. parece que apenas nela encontro a beleza e a tragédia ou as partes articuláveis de uma nova ordem, um dinamismo interno - a pintura antes de tudo."


Luía Dourdil