Orquestração de subtileza
Luís Dourdil é um criador. Pintor figurativo abstractizante é um dos grandes nomes da actual pintura portuguesa contemporânea.
A pintura de Luís Dourdil, que tenho acompanhado de perto nos dois últimos anos, incluindo os sucessivos encontros que com ele mantive no seu “universo” O ATELIER, permite-me abordar, em linhas gerais, o percurso humanitário e artístico do pintor.
O encontro no “atelier” dá para perceber o homem e o artista.
Na parede, extracto e memórias de toda uma vivência.
Não é fácil, hoje em dia, entrarmos no campo em que a sensibilidade representa o melhor juiz.
Luís Dourdil apresenta-se como um homem jovial, cheio de vitalidade e discreto.
A sua visão do mundo recorta-se de forma íntima, concentra-se sobre os objectos e os seres para os projectar no espaço. É o tempo da meditação. É o tempo do silêncio.
Tempo em que o pintor pensa o que deve pensar, isto é: o que deve ver. Fiel às formas que descobre e que o absorvem, a sua obra pictórica é uma suave orquestração de subtileza, embora não esconda o vigor do seu carácter. Ele vai buscar ao quotidiano as cenas que guarda religiosamente no seu íntimo.
O seu olhar persegue o mundo das coisas, dos objectos, dos corpos.
Depois, transmite nas telas a dinâmica interna e surda das formas.
Pintura eminentemente sociológica onde se vêem destroços humanos; jovens em poses de um convívio de amor, jardins invisíveis; pessoas sem rostos viajando no metropolitano, etc. São as mensagens em torno do homem anónimo.
Luís Dourdil é um pintor cheio de defesas, fiel a si próprio e aos seus ideais.
Vejo-o a olhar a tela. Hesita. Medita. Pintar lentamente é, para Luís Dourdil, a consolidação da essencialidade, pelo sentido e medida que tem do seu silêncio e como tenta preencher os vazios do mundo.
O trabalho das tintas moldadas por um tratamento abstratizante expande-se em manchas, em toques, em planos e breves contrastes, na conjugação discreta mas sólida do mundo já visto e indiscutivelmente de novo dado a ver como facto redescoberto.
Conjugando um saber e uma experiência com problemas que acompanham o homem desde que ele tem consciência de ser, a sua pintura dos últimos anos, posiciona-se juntamente na confluência de dois vectores: a imagem e a forma.
Os esquemas compositivos que na sua simplicidade, ou incluem um espaço noutro espaço, ou se dispõem em planos.
É na adolescência que Luís Dourdil inicia o seu trajecto plástico, sobretudo no desenho. Até aos 30 anos o desenho é a sua matriz – núcleo imaginativo das coisas e dos seres. A sua temática abrange as gentes anónimas do meio urbano, gentes da ribeira, gentes de Alfama, trabalhadores a preto e branco.
Os bairros de Lisboa são objecto da sua pintura que se prende às sombras, aos grupos de trabalho ou à deambulação desempregada, nunca se fixa no recorte pitoresco. O mundo dos humanos constitui o seu apelo.
Nos anos 40, visita várias cidades da Europa e a sua visão emerge, plena de síntese, de acordo coma sua própria concepção plástica.
Nos anos 50, época da maturidade, o pintor capta, definitivamente, os alicerces estruturais e estéticos do seu edifício plástico.
A suavidade da cor, as sombras, as névoas, as geometrias cénicas.
É o tempo dos silêncios falantes!
In O Século, 2 Fev.1989