quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Pintura Portuguesa Sec. XX Memórias de 2014 -2015


"A Pintura Antes de Tudo"       Luís Dourdil



[Catarina Vaz Pinto, Vereadora da Cultura da C. M. de Lisboa]



"A divulgação de um artista plástico com a dimensão criativa do pintor Luís Dourdil - como gostava de ser evocado - cumpre na cidade vários objectivos: uns de teor patrimonial, que se articulam no âmbito da conservação e restauro, como é o caso da pintura mural do Café Império; outros que viabilizam a divulgação da arte e do seu criador, em tantos eventos que têm vindo a promover a revisitação do homem e da sua obra, trazendo a público e à reflexão inúmeras temáticas, por exemplo em contexto de tertúlia; e ainda outros que se dinamizam na revitalização da memória estética, também
concretizada na relação espacial com o edificado, como é de referir os vários momentos de exibição do desenho, da pintura e da pintura mural. // 


A vida e obra do artista  foi tema de uma tertúlia e debate com os seguintes participantes: O Jornalista e Presidente da Academia Superior de Belas Artes António Valdemar, Dr. Nuno Lima de Carvalho director da Galeria de Arte do Casino Estoril, Professor Rocha de Sousa, pintor, escritor, critico de arte e membro da AICA, Maria Teresa Bispo historiadora de arte e técnica superior da Câmara Municipal de Lisboa, pintora Gracinda Candeias, artista plástica e ainda Dr. Luís Fernando Dourdil Jurista, filho do pintor.


Estas comemorações e todas as iniciativas colaboram neste fim, interpelando a urbe em muitos e diversos lugares, convocando tão plurais participações, quanto criteriosas abordagens, reunindo à volta do nascimento do pintor 

Luís Dourdil - um belíssimo pretexto - para o reconhecimento do mérito. 

Tanto na obra pública ou do domínio público, como na obra que se diversifica pelas colecções particulares e institucionais - de natureza pública e privada - quer ainda na que nos deixou como artista gráfico de uma grande empresa farmacêutica, Luís Dourdil contribuiu indubitavelmente para o espólio criativo no panorama nacional e para a imagética da cidade. 


Evocá-lo pela diversidade de propostas é somente uma forma de Lisboa o homenagear, expandindo para as gerações futuras o que herdámos no presente, por altura do seu nascimento e agora cem anos depois. //

 Catarina Vaz Pinto.

Fotos: Copyright © 2014 José Gema

A equipa que dirigiu os trabalhos de conservação e restauro do mural de Luís Dourdil, no Café Império.

Da esquerda para a direita: Filipa Teixeira, Dulcina Carvalho e Filipa Machado

LUIS DOURDIL - HOMENAGEM E MEMÓRIAS - CENTENÁRIO

Passam neste ano de 2024- 10 anos que se realizaram as comemorações do Centenário do pintor Luís Dourdil, com o restauro de uma das suas grandes obras murais, intitulada "Conversações".

Referimos o afresco realizado pelo pintor no ano de 1955 no icónico Café Império.









 Luís Dourdil discreto e organizado,  pintou (superiormente) como viveu, inteiro, com coerência, numa espécie de modéstia ao mesmo tempo perplexa e empolgada, sentido por dentro as suas referências culturais, autoaprendizagem, o correr da História.


Entrar no seu atelier do Coruchéus era descobrir-lhe a ordem, a serenidade do lento e longo diálogo com as aparências. os materiais e as matérias da pintura ,o equilíbrio de um profissionalismo conquistado em muitos anos de pesquisa gráfica.


É preciso reafirmar que Luis Dourdil é um dos principais autores da pintura moderna portuguesa e que a justiça de que porventura beneficia agora chegou tarde e mal dimensionada no confronto com personalidades, suas contemporâneas, de idêntico valor. Isso pode dever-se em parte, ao modo de ser do artista, à sua modéstia, mas deve-se também, e sobretudo, à incapacidade dos nossos analistas para escapar a este fenómeno provinciano(de mimetismo complexado) que os reduz aos padrões consumíveis da moda e os impede de assumir, com isenção científica, critérios históricos e estéticos, o estudo plural de modos de formar que se distingam, em exemplar qualidade, daquele tipo de referências.


Dourdil não foi um autor de circunstância Não teve nunca de se submeter o mundo das suas formas e da sua escrita aos postulados efémeros da exterioridade consumista. Não teve porque acreditava no valor intrínseco das suas descobertas e conferia maior 

importância ao trajecto lento mas sincero, e essa interioridade que
sempre sobrepôs." -

 Rocha de Sousa in Artes Plásticas,nº1 Jul.1990https://pt.wikipedia.org/wiki/Rocha_de_Sousa

sexta-feira, 19 de abril de 2024

"Homens do fogo" Pintura a óleo ano 1942 Colecção EDP, MAAT Museu de Arte  Arquitetura tecnologia.

 "Nunca fui um paisagista. Parti sempre da forma real, mas só me interessei de facto pela figura humana. Parece que apenas nela encontro a beleza e a tragédia ou as partes articuláveis de uma nova ordem, um dinamismo interno – a pintura antes de tudo.

Esclarecida deste modo pelo próprio Luís Dourdil a natureza do seu envolvimento com a prática artística e pictórica, podemos desde já constatar que quem assim fala não é nem poderia ser um neorrealista, mesmo se não deixou de partilhar com a sua época e os movimentos culturais que a definiram uma visão humanista da expressão artística. Posto isto, e depois da separação de águas contida neste preâmbulo, iniciemos a observação concreta de uma obra rara no percurso de Dourdil e da própria arte portuguesa que, de um modo quase perentório e imediato, nos incita à classificação de neorrealista. https://davidsantosarchive.com/luis-dourdil-e-os-caminhos-do-neorealismo/

O que nela se observa em termos temáticos (ações de trabalho, em especial a alimentação das caldeiras a carvão, na Central Tejo, então sob alçada da empresa “Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade”), mas mais ainda o modo como são manifestados os sinais desse conteúdo, aproximam decisivamente a obra “Homens do Fogo” – uma pintura óleo sobre tela, de médio formato, 114×153 cm, assinada e datada de 1942 – do universo do “realismo social”(...)

David Santos


David Santos, historiador de arte e curador de arte contemporânea.


Luis Dourdil executou esta obra enquanto gráfico na antiga CRGR, Companhias Reunidas de Gás e Electricidade.


Estudo da obra "Homens do fogo"

Rocha de Sousa, professor, crítico de arte e artista plástico português.


"Esta obra de Dourdil propõe um discurso neo-realista, com algumas acentuações recolhidas indirectamente do expressionismo e da vontade social que os dois «movimentos», deste ou daquele modo, interpretam. O esforço e a grandeza do trabalho humano passam pela tela com um tom ideológico apologético: os gestos quotidianos dos trabalhadores cedem a uma encenação operática, aliás desenvolvida sobre uma «cortina cénica» de escala significativamente grandiosa. A fábrica não é o lugar onde se produz, é a catedral do esforço colectivo; e tudo o que se movimenta (re)toma a eterna pose da monumentalidade, do sacrifício sublimado em reflexo super humano..."

Rocha de Sousa




Memórias do pintor.


Dourdil foi membro da Drecção da Sociedade Nacional de Belas Artes de 1957 a 1963 e em 1964 foi membro do Concelho Técnico desta Sociedade.

Ainda no ano de 1957 foi eleito pelos artistas portugueses concorrentes à Bienal São Paulo, membro do juri seleccionador das obras a enviar a esta Bienal, por intermédio do SNI e membro do Júri da Fundação Calouste Gulbenkian para aquisição de trabalhos na " 1ª " Exposição de Artes Plásticas, organizada por esta Fundação.



Nu artístico na obra de Dourdil ; década 50




"A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensibilidade como o obstáculo para a energia."

Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego





                                       

"Desenhar é a integridade da arte. Não há possibilidade de trapacear: Ou é bom ou é ruim.

Salvador Dali




"Nunca fui um paisagista.

Parti sempre da forma real, mas só me interessei de facto pela figura humana. Parece que apenas nela encontro a beleza e a tragédia, ou partes articuláveis de uma nova ordem, um dinamismo interno-a pintura, antes de tudo"

Luís Dourdil



"Não mudamos com a idade na estrutura do que somos. Apenas, como na música, somo-lo noutro tom."

Vergilio Ferreira 



 

Pintura Portuguesa Luis Dourdil Memórias

          Ao Miguel  - Poema de Eugénio de Andrade

Escuta, escuta: tenho ainda

uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai

salvar o mundo, não mudará

a vida de ninguém — mas quem

é hoje capaz de salvar o mundo

ou apenas mudar o sentido

da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.

É coisa pouca, como a chuvinha

que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco

mais. Palavras que te quero confiar,

para que não se extinga o seu lume,

o seu lume breve.

Palavras que muito amei,

que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.

 






      Eugénio de Andrade retratado por Luis Dourdil em 1941


Luis Dourdil



"Registos de uma vida"    S.N.B.A. 06 de Junho de 1960

-Celestino Alves, Carlos Botelho, B. Tavares, Conceição Silva, Anjos Teixeira, Peres Fernandes, José Júlio, Machado da Luz, Luís Dourdil

Sentados -Abel Manta, Abílio Mereles, Pedro Guedes e Frederico George.



sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

A Pintura Antes de Tudo de Luís Dourdil

 Luís Dourdil  1914 - 1089 


Nasceu em Coimbra, na Rua do Guedes, freguesia da Sé Velha, em 8 de Novembro de 1914 e faleceu em Lisboa em 1989.







"Foi um dos mais importantes pintores portugueses dos últimos cinquenta anos. 

Distinguiu-se por uma indubitável e qualificada modernidade.

No ano em que se celebrou o centenário do seu nascimento justifica-se que o seu nome e a sua extraordinária obra sejam lembrados."

Dr Lima de Carvalho - Galeria de Arte do Casino Estoril




   (... )  

Recordar, revisitar, repetir de todos os modos, qualquer forma de aceder ao pintor Luís Dourdil, é favorecer a manutenção da memória e da sua identidade plástica; é promover a continuação de estudos e as mais variadas fruições; é trazer para os grandes públicos e disponibilizar um dos artistas do século XX com obra de relevo; é sobretudo combater a finitude da condição humana, contrapondo pertinente a intemporalidade das suas composições plásticas. E se essa intemporalidade pode de facto contrariar o esquecimento e o ostracismo, que muitas vezes apanha tão desprevenida, quanto indefesa, a obra criada, será pois na ritualização temporal que podemos contrariar esta e outras circunstâncias, num círculo contínuo de construção e reconstrução da identidade da arte e do património e do seu garante memória. E, se admitirmos que o 

fundamento do tempo é essa memória, parece pois ser possível considerar que a exaltámos, cumprindo com a homenagem justa e a divulgação substantiva.

Dra Maria Teresa Bispo 






"A divulgação de um artista plástico com a dimensão criativa do pintor Luís Dourdil - como gostava de ser evocado - cumpre na cidade vários objectivos: uns de teor patrimonial, que se articulam no âmbito da conservação e restauro, como é o caso da pintura mural do Café Império; outros que viabilizam a divulgação da arte e do seu criador, em tantos eventos que têm vindo a promover a revisitação do homem e da sua obra, trazendo a público e à reflexão inúmeras temáticas, por exemplo em contexto de tertúlia; e ainda outros que se dinamizam na revitalização da memória estética, também concretizada na relação espacial com o edificado, como é de referir os vários momentos de exibição do desenho, da pintura e da pintura mural. // Estas comemorações e todas as iniciativas colaboram neste fim, interpelando a urbe em muitos e diversos lugares, convocando tão plurais participações, quanto criteriosas abordagens, reunindo à volta do nascimento do pintor Luís Dourdil - um belíssimo pretexto - para o reconhecimento do mérito. Tanto na obra pública ou do domínio público, como na obra que se diversifica pelas colecções particulares e institucionais - de natureza pública e privada - quer ainda na que nos deixou como artista gráfico de uma grande empresa farmacêutica, Luís Dourdil contribuiu indubitavelmente para o espólio criativo no panorama nacional e para a imagética da cidade. Evocá-lo pela diversidade de propostas é somente uma forma de Lisboa o homenagear, expandindo para as gerações futuras o que herdámos no presente, por altura do seu nascimento e agora cem anos depois. // 

[Catarina Vaz Pinto, Vereadora da Cultura da C. M. de Lisboa]








Luís Dourdil está representado em Colecções do Estado, Bancos e outras Entidades Públicas e Privadas.

Banco Comercial Português.

Banco Pinto & Sotto Mayor.

Banco de Portugal.

Banco Espirito Santo comercial de Lisboa.

Banco Totta e Açores,Londres.

Caixa Geral de Depósitos.

Museu Serralves, Porto.

Embaixada do Brasil em Lisboa.

Fundação Calouste Gulbenkian (Centro de Arte Moderna).

Galeria Bertrand, Lisboa.

Galeria Diário de Noticias,Lisboa.

Galeria Nason.

Ministério dos Negócios Estrangeiros(Embaixada de Portugal em Brasília).

Ministério da Comunicação Social.

Museu Abel Manta, Gouveia.

Museu da Cidade, Lisboa.

Museu da Electricidade,Central Tejo,Lisboa(E.D.P.).

Museu da Farmácia, Lisboa.

Museu de Amarante.

Museu Machado de Castro,Coimbra.

Museu Nacional de Arte Contemporânea.

Museu Tavares Proença Júnior,Castelo Branco.

Ministério da Cultura ...


EXPOSIÇÂO COLECTIVA DE HOMENAGEM AO PINTOR

 

Ver aqui;  0http://museucasinoestoril.pt/ficha.aspx?ns=300000&nstarefa=306000&id=450










http://museucasinoestoril.pt/ficha.aspx?ns=300000&nstarefa=306000&id=450














Título:Homenagem a Luís Dourdil


Locais: GALERIA DE ARTE DO CASINO ESTORIL

09-03-1990; 02-04-1990



Autores:

João Sant'Iago


João Bento d'Almeida


Dulce D'Agro


Dalila D'Alte


Virgilio Domingues


Victor Paula


Victor Palla


Victor Belém


Soares Branco


Rui Cunha


Rogério Ribeiro


Rogério de Freitas


Rocha de Sousa


Ribeiro Farinha


Pinho Dinis


Pedro Chorão


Nuno Siqueira


Nuno San-Payo


Matilde Marçal


Martins Pereira


Martins Correia


Mário Silva


Mário Dionísio


Maria Benamor


Manuela Pinheiro


Manuela Madureira


Manuel Lima


Manuel Barroco


M. C. Pires Coelho


Luís Gonçalves


Luís Filipe de Abreu


Lima de Freitas


Lima Carvalho


Laura Cesana


Laranjeira Santos


Lagoa Henriques


Júlio Pomar


Justino Alves


José Luís Tinoco


José Luís Sardinha


José Cândido


José de Azevedo


João Oliveira


João Antas


João Abel Manta


Jaime Isidoro


Isabel Laginhas


Costa Martins


Manuel Cargaleiro


Artur José


Artur Bual


António Sem


Ângela


Ana Maria Castelo Branco Galvão


Abel dos Santos


Helena San Payo


Graça Delgado


Gracinda Candeias


Gil Teixeira Lopes


Germano Santo


Garizo do Carmo


Francisco Relógio


Fernando de Azevedo


Feliciano Morgado


Fátima Melo


Eurico Gonçalves


Eduardo Alarcão


Eduarda Castelo


Dorita de Castel-Branco


David de Almeida


Luís Dourdil




Exposição de homenagem ao pintor, artista gráfico, desenhador e autor de murais português. Contou com a presença de: Olinda Doudil, a viúva do artista e família; Maria Cavaco Silva; Lima de Carvalho; Dorita Castel'Branco, artista; Germano Santo; Luís Filipe d'Abreu; Rui Mário Gonçalves; Isabel Laginhas; Dulce D'Argo; Martins Correia; Mário Assis Ferreira; Ló e Garizo do Carmo.







http://museucasinoestoril.pt/ficha.aspx?ns=300000&nstarefa=306000&id=450

 

LUÍS DOURDIL E OS CAMINHOS DO (NEO)REALISMO

David Santos




UMA OBRA

David Santos Historiador de arte e curador de arte moderna e contemporânea.


     Ler artigo completo aqui --- https://davidsantosarchive.com/luis-dourdil-e-os-caminhos-do-neorealismo/


Pode um artista ser considerado neorrealista a partir de uma só obra? Não, seguramente. Mas poderá uma obra de um artista não-alinhado com o movimento ser classificada de neorrealista? Sim, pelo menos em parte. Apesar da aparente evidência do questionário e das suas lacónicas respostas, e mesmo sabendo que nada deve ser fixado ou descrito neste contraste aparentemente definitivo, verificamos que tem sido difícil à disciplina da história da arte assumir a leitura individual das obras no quadro deste exercício comparativo. Isto é, tendemos a raramente interpretar uma obra para lá do seu contexto e do percurso estético do seu autor, como se a identificação de uma assinatura inviabilizasse a leitura autónoma do seu aparato estético-formal, da sua vida própria. A dependência preconceituosa da filiação estética de uma determinada obra a uma assinatura autoral é ainda mais notória quando apenas perante a incapacidade de identificarmos uma autoria estável e segura, ou seja, quando não sabemos o nome do artista que a realizou, somos finalmente levados pela liberdade de interpretar o que, por si mesma, essa obra nos revela em termos puramente estéticos e artísticos, arriscando assim muito mais no que diz respeito às suas insuspeitas ligações, ausentes que estamos do cosmos inspirador do seu desconhecido autor.


Mergulhando diretamente na questão de fundo, poderíamos reduzir este texto à tentativa de responder a uma só pergunta: de que modo uma obra, em regime exclusivo, pode aproximar o percurso de um artista a um movimento cultural ao qual foi sempre exógeno e, em muitos aspetos, distante?


“Nunca fui um paisagista. Parti sempre da forma real, mas só me interessei de facto pela figura humana. Parece que apenas nela encontro a beleza e a tragédia ou as partes articuláveis de uma nova ordem, um dinamismo interno – a pintura antes de tudo.”Luís Dourdil, in catálogo da exposição Luís Dourdil – exposição de pintura e desenho, Lisboa, Palácio Galveias – CML, 2001 Esclarecida deste modo pelo próprio Luís Dourdil a natureza do seu envolvimento com a prática artística e pictórica, podemos desde já constatar que quem assim fala não é nem poderia ser um neorrealista, mesmo se não deixou de partilhar com a sua época e os movimentos culturais que a definiram uma visão humanista da expressão artística. Posto isto, e depois da separação de águas contida neste preâmbulo, iniciemos a observação concreta de uma obra rara no percurso de Dourdil e da própria arte portuguesa que, de um modo quase perentório e imediato, nos incita à classificação de neorrealista. O que nela se observa em termos temáticos (ações de trabalho, em especial a alimentação das caldeiras a carvão, na Central Tejo, então sob alçada da empresa “Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade”), mas mais ainda o modo como são manifestados os sinais desse conteúdo, aproximam decisivamente a obra “Homens do Fogo” – uma pintura óleo sobre tela, de médio formato, 114×153 cm, assinada e datada de 1942 – do universo do “realismo social” que entre os anos 30 e 40 se afirmava em vários pontos da Europa e do continente americano, ainda que em Portugal tenha vindo a desenvolver o seu espaço de visibilidade e comentário apenas no imediato pós segunda guerra mundial, ou seja, a partir de meados de 1945.


É verdade que alguns críticos de arte assumiram e identificaram há já algumas décadas a filiação estética aqui ensaiada. Por exemplo, logo em 1984, Rocha de Sousa afirmava:


Esta obra de Dourdil propõe um discurso neo-realista, com algumas acentuações recolhidas indirectamente do expressionismo e da vontade social que os dois «movimentos», deste ou daquele modo, interpretam. O esforço e a grandeza do trabalho humano passam pela tela com um tom ideológico apologético: os gestos quotidianos dos trabalhadores cedem a uma encenação operática, aliás desenvolvida sobre uma «cortina cénica» de escala significativamente grandiosa. A fábrica não é o lugar onde se produz, é a catedral do esforço colectivo; e tudo o que se movimenta (re)toma a eterna pose da monumentalidade, do sacrifício sublimado em reflexo super humano.Rocha de Sousa, Dourdil, Lisboa, IN-CM, 1984, pp. 29 e 30.

    ( ....)

 Estudo e artigo David Santos 

Luís Dourdil entrevista RTP Arquivos


                  "A figura humana é o pretexto de todas as composições de Luis Dourdil, de picturalidade serena e sensível, respeitadora da superfície do suporte.

Os espaços cheios e os vazios são tratados com igual cuidado; a cor apresenta-se em planos paralelos ao plano da tela, escalonando-se em profundidade, num rigor visual que a torna mais complexa e melhor adaptada ás inflexões da sua sensibilidade, no jogo subtil de transparências que se equilibra com a procura de luminosidade."

Rui Mário Gonçalves in 100 Pintores Portugueses do Século XX                







Ver o vídeo 

                                                aqui______      https://arquivos.rtp.pt/conteudos/luis-dourdil/






Programa de artes plásticas apresentado por Fernando Balsinha, dedicado à vida e obra artística do pintor Luís Dourdil, com a entrevista no seu atelier, e ainda o destaque para as exposições individuais e coletivas de arte moderna e contemporânea ocorridas em Lisboa entre 1973 e 1974, incluindo exposições dos artistas plásticos Victor Vasarely, Ana Vieira, Manuel Cargaleiro, José Cândido, Júlio Pomar e Bengt Lindstrom.


                       Ver     https://arquivos.rtp.pt/conteudos/luis-dourdil/ 

segunda-feira, 12 de junho de 2023


Varinas de Lisboa - Memórias da Cidade no trajecto plástico de Luis Dourdil

Foi no século XIX que começaram os primeiros movimentos migratórios rumo a Lisboa, com o objectivo de encontrarem melhores condições de vida e oportunidades de emprego. As varinas, tradicionalmente conhecidas como “mulheres do peixe”, instalaram-se nos bairros típicos de Lisboa – Alfama, Bica e, sobretudo Madragoa – junto às ribeirinhas ricas em sardinha e sável.

 "Varinas de Lisboa" de Luís Dourdil Colecção C.M.L


Dourdil visitava com assiduidade a lota Ribeira onde desenhava estas figuras icónicas de Lisboa que imortalizou nas suas obras.

                        Varinas de Luis Dourdil  © All rights reserved

Um dos temas mais abordados pelo pintor nos anos 40 e 50 foram os Bairros lisboetas, trabalhadores, gente anónima do meio urbano na sua azafama.







                                  " VARINAS" Óleo de Luis Dourdil de 1952  © All rights reserved



Os bairros de Lisboa são objecto da sua pintura que se prende às sombras, aos grupos de trabalho ou à deambulação desempregada, nunca se fixa no recorte pitoresco. O mundo dos humanos constitui o seu apelo.

Luis Dourdil © All rights reserved

De pé descalço e canastra à cabeça: Olha a bela da sardinha!



As varinas eram mães, mulheres trabalhadoras, resistentes e praticamente indomáveis. Nos anos 80 a 90 acabaram por desaparecer, passando das ruas para as bancas dos mercados, mas são ainda recordadas como símbolo e ícone da cidade de Lisboa. Com a evolução das tecnologias de congelação e refrigeração do pescado, a abertura das grandes superfícies comerciais e o melhoramento nos serviços de distribuição, tornou-se difícil resistir. Na altura, a maior parte delas virou-se para a costura ou para as limpezas.


Apesar da “extinção”, a figura da varina prevalece cristalizada, principalmente graças às marchas populares. Na arte, e como mostra a selecção apresentada pelo Museu de Lisboa, foram a inspiração para diversos autores, como;

 Almada Negreiros, João Abel Manta, Luís Dourdil, Alice Jorge, Stuart Carvalhais ou Jorge Barrada. 


Aliás, mesmo o físico Albert Einstein admitiu ficar impressionado com estas mulheres, como o descreveu no diário onde relatou a sua viagem por Lisboa.




quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Luis Dourdil RTP ano 1975


Luís Dourdil folheia revista com destaque para as suas mãos e rosto, trabalha no interior do atelier decorado com desenhos, pinturas e fotografias, instalado na ESBAL, e pinta quadro, alternado com Rocha de Sousa que introduz o tema do programa e refere aspetos do trabalho artístico de Luís Dourdil que balançam entre a figuração e abstração e a exposição que o artista apresenta na escola. Em voz off, Rocha de Sousa e o artista a conversam sobre o objetivo da mostra na ESBAL e os trabalhos que estão expostos.



Luis Dourdil fala da sua pintura, salientando a paixão pela figura humana. Autor de várias pinturas e desenhos a carvão representando as varinas nas suas lides, bem como ruas e vielas de Alfama. No inicio a sua obra que começou por ser figurativa, foi evoluindo para o desvirtuamento da figura até ao abstracionismo.




                                   Óleo s/Tela ano 1980  de Luís Dourdil colecção particular
                                         © All rights reserved


(...) Durante os anos cinquenta, os artistas modernos portugueses concentravam a sua meditação no confronto de duas concepções pictóricas: a figurativa e a abstracta
Havia os radicais, a favor de uma ou outra concepção, e havia os que procuravam sínteses.
A novidade estava na arte abstracta.
Mas os mais velhos e os mais informados não podiam esquecer que os pintores naturalistas eram bastante mais dotados e que o Naturalismo permanecia no gosto dominante da sociedade portuguesa.
A vontade de aproveitar o máximo de ambas as concepções, figurativa e abstracta acompanhava a vontade de aproveitar o máximo de todas as artes.

Luís Dourdil foi realizando, lentamente, com segurança uma obra de grande unidade estilística, passando de um realismo minucioso de "Homens de Fogo"(1942) a uma figuração abstractizante.

Rui Mário Gonçalves



Pintura a óleo de Luís Dourdil - Ano 1980  © All rights reserved C/particular


"Nunca fui um paisagista.

Parti sempre da forma real, mas só me interessei de facto pela figura humana.

Parece que apenas nela encontro a beleza e a tragédia, ou partes articuláveis de uma nova ordem, um dinamismo interno-a pintura, antes de tudo"


Luís Dourdil



          Ver                  RTP Luis Dourdil 1975


Apresentação e locução: Rocha de Sousa Fotografia: Sebastião Fernandes e João Mendes Produção e Realização: José Elyseu




João Rocha de Sousa  1938 - 2021

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Rocha_de_Sousa

Diplomado em Pintura pela Escola Superior de Belas-Artes e Professor Agregado pela Universidade de Lisboa, Rocha de Sousa apresenta uma vasta obra como pintor, escritor, ensaísta e crítico de arte, tendo desenvolvido atividades na área da imagem: diaporama, cinema (O Véu dentro da Cidade) e vídeo, salientando-se a sua vertente de pedagogo que marcou de modo definitivo o rumo que a Escola Superior de Belas Artes seguiu após o 25 de Abril de 1974, ao definir a estratégia da reforma do ensino artístico que foi então implementada.Nesta vertente pedagógica Rocha de Sousa lecionou durante anos a disciplina de Comunicação Visual que foi decisiva para uma modernização da formação dos alunos, e foi docente na Universidade Aberta no Mestrado de Comunicação e Multimédia. Foi Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Belas-Artes e membro dos órgãos de gestão, membro da Academia Nacional de Belas-Artes, da Secção Portuguesa da Associação Internacional do Críticos de Arte e participou nos órgãos diretivos na Sociedade Nacional de Belas-Artes, onde colaborou numa promoção renovadora do programa cultural e artístico da instituição.


A sua atividade como crítico de arte foi relevante, assegurando regularmente participação em júris, prefácios em catálogos, ensaios e artigos na Colóquio Artes, JL, outros jornais e revistas diversos numa acentuada perspetiva do contemporâneo. Acresce ainda os estudos monográficos exemplares publicados sobre Luís Dourdil, Pedro Chorão e Eduardo Néry na Casa da Moeda-Imprensa Nacional.

Como artista plástico participou de 1964 em diante em inúmeras exposições individuais e coletivas em Portugal e em Angola. A escrita foi outra das manifestações do pulsar da sua dimensão intelectual com obras ficcionais e crónicas:  Amnésia (teatro), Angola 61, uma Crónica de Guerra, A Casa Revisitada e O Messias.

Rocha de Sousa, mesmo depois de aposentado continuou a participar em diversas atividades na Faculdade de Belas-Arte, nomeadamente júris de doutoramento e de mestrado, debates, encontros (Convocarte, Nº 4, Homenagem a Rocha de Sousa, 2018 incluindo a revista Homenagem a Rocha de Sousa) e entre outros, o lançamento do seu último livro 2019.